domingo, 16 de outubro de 2011

Vamos Matá-lo

Ainda em Agosto de 2010


Na 1ª consulta de radioterapia fizeram-me uma TAC de planeamento com  tatuagens nos locais onde deveria incidir a radiação: duas tatuagens nas virilhas (gânglios) e uma no púbis. Brinquei com as técnicas dizendo que nunca tinha querido pagar uma tatuagem e agora até tinha três feitas à borla. 
Foi-me dito que iria fazer 30 sessões de radio em simultâneo com quimioterapia. 
Deram-me os parabéns por se localizar no canal anal pois neste local havia muitas hipóteses de cura. 
Fui apresentada aos enfermeiros desta unidade. Não percebi logo a importância destes técnicos, apesar de me ter sido explicado que iria sofrer queimaduras e que era de absoluta necessidade a intervenção deles.
Todas as explicações que me faziam quer a médica quer o enfermeiro, soavam-me a falso. Aquela conversa não podia ser para mim: usar boxers de algodão puro em vez de cuecas, colocar muito creme depois da radio, ingerir muita água e procurar fazer a radio com a bexiga cheia para evitar que esta ficasse afectada, cuidado com as diarreias, alimentação muito cuidada - iria a uma nutricionista - para não provocar urina ácida, evitar a flatulência, as fezes duras ou a diarreia , medicação para as diarreias, para as dores, etc... etc...
Vim para casa com a cabeça cheia de preocupações e coisas para fazer, comprar pomadas, procurar os ditos boxers, ler toda a documentação que me foram dando, programar as próximas idas ao hospital...
Decidi-me por ir procurar os boxers para vestir quando iniciasse a radioterapia, infelizmente não existiam para senhora e tive que comprar de homem.

Passados 4 dias estava eu a conhecer a minha médica oncologista. Depois de ela ter feito os cálculos informa-me que irei fazer 4 dias de quimioterapia no início da radio e 4 dias nos últimos dias da radio.

No dia 30 de Agosto lá fui eu, logo às 8h da manhã, para o Hospital de Santa Maria. Comecei por ir à oncologia que me prescreveu a quimio que eu teria que fazer. Esperei que me chamassem e, quando chegou a hora de entrar na sala da quimio as minhas pernas tremiam, não conseguia falar. Limitei-me a sentar-me no cadeirão e esperar que me colocassem a 1ª quimio - Mitromicina - seguida do 5FU, que constava de um balão que despejava para o meu organismo, durante 4 dias seguidos, aquele produto "cáustico". 
Lá fui eu para casa com um apêndice exterior, colocado no meu peito, que me incomodava a dormir, no banho, quando saía, a vestir-me...
Na manhã seguinte comecei com vómitos e atribui à pasta de dentes. Fui à farmácia para que me vendessem uma que não me provocasse vómitos. - Não existe, disseram. Comprei algumas que me pareceram mais adequadas à situação mas, verifiquei depois que também não resultavam. Durante os vómitos olhava ao espelho e não me reconhecia, ficava vermelha, completamente desfigurada.
Alguns dias passados ao mexer no meu cabelo ele caía às mãos cheias. Durante as próximas noites não conseguia dormir descansada devido ao meu apêndice exterior e também porque sonhava que eu andava na rua, havia muito vento e o cabelo voava todo. Acordava assustada acendia a luz para ver se ele já tinha caído para a almofada.
Já tinha programado cortar todo o cabelo e comprar uma peruca quando este parou de cair daquela maneira e aí eu esperei, sempre com medo, mas esperei. Afinal ele não caíu todo. Foi ficando cada vez mais frágil, tratava-o como o de uma criança, mas aguentou-se.
No dia 2 de Setembro lá fui retirar o meu apêndice exterior. Toda a quimio já andava a percorrer o meu organismo e a provocar danos tanto no tumor como nos órgãos sem doença.
As sessões de radioterapia iam decorrendo todos os dias, excepto alguns sábados e domingos. Por vezes cumprindo o horário estipulado outras que tinha que lá voltar devido à avaria da máquina. Uma vez fiz radio às 23h 30m porque a máquina se tinha avariado durante o dia.

Na 20ª sessão tive que interromper devido às queimaduras que apresentava. Durante uma semana curei as feridas e depois voltei àquela sala fria, com um cheiro característico que ainda hoje abomino.
Nas sessões de radio ocupava-me a contar o tempo que a máquina incidia em cada uma das minhas tatuagens e em pensamento dizia, com muita raiva, que o cancro havia de morrer queimado.
Completei 27 sessões de radioterapia e na 28ª tive que ir colocar o balão de  quimio outra vez. Mais 4 dias com a quimio e, no último dia fiz radio logo de manhã, tirei a quimio à tarde e depois fiz mais uma sessão de radio ao fim da tarde.
Nesse dia tive sentimentos muito contraditórios: Alegria por me ver livre de todos os tratamentos e das idas diárias ao Hospital mas, preocupada porque agora não tinha ajuda para matar o bicho. 
Na consulta de radio a médica informa-me que eu iria passar ainda um mau bocado: queimaduras, dores... mas eu achei que aqueles momentos já tinham passado e pensei que ela estaria a fazer alguma confusão, enfim aquela conversa não seria para mim. Eu já tinha passado por tanto sofrimento que mais não seria possível. 
Mas ela tinha razão, passados 4 dias comecei a abrir feridas enormes, não conseguia dormir, nem sentar-me, nem lavar-me. Durante quinze dias comi de pé, não conseguia andar, deitava-me de lado, gritei com dores, chorei quando fazia as necessidades, enfim desesperei mesmo.

Neste período encontrei alguns anjos:
A minha família que me deu um apoio incondicional, os amigos que me visitavam em casa e até me acompanhavam às sessões de radio, para me contarem anedotas na sala de espera como forma de  aliviar das minhas dores; os médicos, enfermeiros e técnicos de radio, que me acompanharam de uma forma inexplicável. Sempre com um sorriso, a transmitirem esperança, a perceberem as minhas necessidades e a procurar satisfazê-las de imediato, a ajudarem-me a superar todos os meus problemas de insegurança...
Quero deixar aqui um agradecimento às pessoas que mais me acompanharam nesta fase e dizer-lhes que nunca esquecerei o apoio que me deram e a forma como me fizeram sentir que não as podia desiludir por isso, teria que lutar pela vida.

1 comentário:

  1. Uma Guerreira do qual o "sacana" do bicho não levou a melhor! :o) beijinhos gosto muito de ti!

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